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Libertária

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08.Jul.24

O Acordo Militar entre Rússia e São Tomé e Príncipe

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Encaro com grande preocupação a assinatura de um acordo militar entre a Rússia e São Tomé e Príncipe. Este acordo foi assinado em 24 de abril e entrou em vigor a 5 de maio. O seu prazo é "indefinido" e irá focar-se nas áreas de formação de militares, recrutamento, uso de armamento, logística, troca de informação e "experiência" num contexto de combate a ideologias "extremistas" e do "terrorismo internacional". O acordo prevê também a participação de militares russos em "exercícios" em São Tomé e Príncipe, a sua presença permanente como "observadores" e a visita regular de aeronaves militares e navios da marinha russa.

Eis alguns dos pontos que - em particular - causa grande apreensão:

1. Alinhamento geopolítico: A Rússia está a aproximar-se de forma crescente e consistente dos governos de diversos países africanos num contexto de uma nova Guerra Fria. O acordo militar entre a Rússia e São Tomé e Príncipe pode representar um momento decisivo de um processo de distanciamento de parceiros históricos de São Tomé e Príncipe, como Portugal e os restantes países da CPLP, que possuem tradição de cooperação militar baseada nos valores da democracia e dos Direitos Humanos e da caminhada descendente por parte deste país lusófono.

2. Capacitação militar: O acordo prevê cooperação em formação, uso de armamento e logística. É preciso questionar se a Rússia é o melhor parceiro para suprir as necessidades de São Tomé e Príncipe nessas áreas, e se este acordo irá implicar a cedência ou venda de armamento (e que armamento) para este país lusófono. Existe uma elevada probabilidade que exista - no contexto deste acordo - a cedência ou venda de armamento ligeiro russo a São Tomé e Príncipe.

3. Combate ao terrorismo:  Apesar de o documento citar o combate ao terrorismo como área de cooperação, a actuação da Rússia noutros conflitos gera dúvidas sobre seu real comprometimento com a paz e a estabilidade internacional. Em particular este é o argumento que o regime de Putin tem utilizado em África para destacar unidades mercenárias do antigo grupo Wagner (agora designado como "Africa Corps") em operações opacas, ligadas a saque de recursos naturais e à "protecção" de regimes locais. Actualmente o "Africa Corps" está activo no Sudão, parece ainda estar operacional no norte de Moçambique, República Centro Africana, Líbia, Mali, Burkina Faso, Sudão e outros países com presenças não confirmadas.

4. A presença de "observadores" e "formadores" russos num país onde a presença de militares portugueses é frequente e onde Portugal tem meios navais destacados em permanência é um risco de segurança para as nossas forças destacadas neste país lusófono e um risco de segurança para a OTAN. Existe um risco muito sensível de que informação relacionada com as acções de formação já realizadas e a realizar por militares portugueses seja transferida para os militares russos que aqui estarão na mesma qualidade de "observadores" e "formadores".

A República Democrática de São Tomé e Príncipe, membro de pleno direito da CPLP e acolhe actualmente um destacamento naval português permanente que colabora na identificação e combate às violações das leis são-tomenses e a invasões da sua soberania marítima. Em termos económicos, o país está muito ligado a Portugal que recebe mais de metade das suas exportações sendo o país uma importante fonte de actividade e investimento turístico. Praticamente desde a independência, Portugal tem colaborado no desenvolvimento e na educação da população ajudando a financiar, por exemplo, a Universidade pública. Em Setembro de 2022, Portugal e São Tomé e Príncipe assinaram um acordo de cooperação também na área da Defesa e da cooperação militar. As ligações diplomáticas com Angola (o maior parceiro comercial) e Brasil, outros países membros da CPLP são também muito importantes.

Se São Tomé e Príncipe tem necessidades militares, se a sua Zona Económica Exclusiva está sob pressão e não tem meios suficientes para a proteger o Governo Português deve contactar este país lusófono e oferecer a sua disponibilidade para aumentar o nível de cooperação aérea, naval e na formação e enquadramento das suas forças terrestres e não permitir, impunemente, que a Rússia lance, também aqui, mais uma das suas "lanças em África" que mais não fazem do que captar o país para a sua esfera de influência e servir de plataforma de entrada de forças mercenárias financiadas - quase sempre - através do saque dos recursos naturais dos países com que "coopera".

É igualmente muito importante compreender o que está exactamente explicitado e implícito neste acordo do país lusófono com a Rússia de Putin: os termos são conhecidos entre a sua população e sociedade civil? Colidem com os termos do acordo de cooperação militar com Portugal? Podem servir para que a Rússia instale bases e pessoal nestas ilhas estratégicas do Atlântico central?

Este acordo indica também que Portugal tem descurado a sua cooperação militar com São Tomé e Príncipe. Deve ser prioritário - para a República Portuguesa - investir na modernização das Forças Armadas de São Tomé e Príncipe com base nas suas reais necessidades de defesa nacional. A mesma prioridade deve ser assumida pela diplomacia dos restantes países da CPLP, designadamente por Brasil e Angola.

Acreditamos que São Tomé e Príncipe deve trilhar seu próprio caminho em termos de segurança, priorizando a cooperação Sul-Sul na CPLP e o diálogo com parceiros históricos que compartilham valores democráticos e avaliar seriamente este movimento de alinhamento para com as ambições políticas e estratégicas do regime de Putin.